Entrevista a Ana Sofia Antunes, Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência
“A sociedade tem de conhecer a deficiência”
Ana Sofia Antunes
Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência
A diferença mora ao lado, mora junto, mora em cada um. Por vezes, é mais “envergonhada” e quase parece igual ao que, afinal, também é diferente. Mas está lá. Sempre. Ana Sofia Antunes, Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, acredita que só quando a diferença virar rotina, a sociedade perceberá que a igualdade é mais do que uma palavra. Nesta Secretaria de Estado trabalhase em prol desse dia, do dia em que “sermos todos iguais” significará, afinal, reconhecermos, sem tabus, nem medos, que, na verdade, “somos todos diferentes”.
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Nascer com uma deficiência em Portugal ainda é sinónimo de uma vida condicionada?
É sinónimo de ter de se preparar para uma vida com mais luta e resiliência para superar todas as barreiras de diversas índoles que ainda existem e que, provavelmente, se manterão por mais algum tempo. O nosso papel é tornar esse percurso mais fácil. E a evolução conseguida até agora foi enorme. Algumas das limitações que existiam estão, neste momento, muito diluídas. Isto não passa apenas pela sociedade, mas também pela nossa capacidade de lutar e de fazermos valer os nossos direitos.
Há uma frase muito comum: “Não se mudam mentalidades por decreto”. Esta é uma das áreas em que os resultados só se verificam a longo prazo?
Os decretos ajudam porque reconhecem direitos, põem no papel e chamam as realidades pelos nomes. Por exemplo, há uns dias discutíamos se devíamos ou não criminalizar determinados comportamentos relacionados com a discriminação em razão da deficiência. Os decretos ajudam nesse sentido, a colocar preto no branco determinadas realidades.
Começamos a saber incluir sem excluir?
Felizmente já começámos esse percurso há muito tempo e a segregação já não é um problema em Portugal. Claro que existem casos e, provavelmente, sempre existirão. Em Portugal, podemos falar de uma sociedade solidária, relativamente aberta, que não esconde os seus problemas e que, progressivamente, tem aprendido a lidar com eles. Durante muitos anos falámos do paradigma da integração das pessoas com deficiência, segundo o qual caberia às próprias pessoas fazer um esforço para estar na sociedade e para ter a sua própria realidade de inclusão. No fundo, punha-se toda a carga do esforço nos ombros da pessoa com deficiência. Perceber que nem tudo pode estar sobre os ombros dessas pessoas foi um grande passo. A pessoa com deficiência sozinha não consegue, por maior que seja a vontade. Tem também de ser a sociedade a fazer o seu papel e a criar condições para que essa pessoa não seja discriminada e tenha oportunidades.
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As áreas que carecem de intervenção devem ser muitas. Mas se tivesse que identificar aquelas que exigem, neste momento, uma intervenção mais urgente e mais profunda, quais indicaria?
Eu costumo dizer que esta é a matéria mais transversal. Para fazermos um trabalho bem sucedido temos de trabalhar em articulação com diversas áreas, diversos ministérios. Educação, Saúde, Cultura, Infraestruturas, Desporto. Não existe área com a qual não tenhamos que trabalhar. Temos um conjunto de metas estabelecidas e que queremos alcançar, mas se tivesse que assinalar áreas nas quais temos de nos focar diria que são a empregabilidade e a questão das acessibilidades e das barreiras arquitetónicas. São estas as questões que mais podem condicionar as hipóteses de inclusão de uma pessoa com deficiência. Sem trabalho e sem uma remuneração não podemos falar em autonomia ou independência.
Também no âmbito da Justiça, a preocupação com as barreiras arquitetónicas está mais desperta?
Temos desenvolvido um trabalho em articulação com o Ministério da Justiça, com vista a encontrar soluções para situações em que ainda existam esse tipo de barreiras.
Os avanços tecnológicos têm sido um parceiro interessante? Podem contribuir para a inclusão das pessoas com deficiência?
Podem ajudar, mas não eliminam a necessidade que temos de garantir o acesso das pessoas aos locais. Não sabemos em que momento é que a pessoa precisa de aceder e qual a sua necessidade. Têm existido parcerias interessantes, mas é preciso mais.
Em comparação com o contexto internacional, nomeadamente com a Europa, como é que podemos classificar Portugal no que diz respeito às políticas de inclusão?
Não quero que me entendam como uma falsa otimista, mas entendo que, em Portugal, não valorizamos o que temos. Somos, tradicionalmente, pessimistas. Achamos que está sempre tudo a tender para o mal, quando, muitas vezes, não conhecemos a realidade de outros países. Temos coisas boas e coisas menos boas, mas a verdade é que temos dados que provam que estamos no caminho certo. O salto que conseguimos dar na educação inclusiva, muito embora possa ter lacunas, é muito bom. Temos 97% das crianças com deficiência na escola. É preciso que saibamos valorizar o que já fizemos para conseguirmos continuar a evoluir.
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E, em Portugal, procura-se incentivar a autonomia e a independência?
Sim, de várias formas. Não apenas com os mecanismos de incentivo à contratação de pessoas com deficiência, através de uma taxa social única reduzida em 50% permanente e vitalícia, mecanismos do IEFP para contratação de pessoas com deficiência, mas também ao nível da criação da figura do assistente pessoal que a apoia na realização de tarefas. Tudo isto são formas de criar incentivos à construção progressiva de uma vida cada vez mais independente.
Essas medidas visam também a quebra de barreiras e de preconceitos derivados da falta de conhecimentos?
A sociedade tem de conhecer a deficiência e, cada vez mais, isso é um facto. Durante muitos anos tivemos a deficiência segregada e trancada dentro de portas. Estava escondida. Qualquer um de nós compreende, sem grande esforço, que o primeiro contacto com uma realidade que se desconhece em absoluto é estranho. A tendência natural do ser humano é a de rejeitar aquilo que desconhece. Progressivamente, a nossa sociedade vai conhecendo melhor a deficiência. Neste momento, as nossas crianças contactam de perto com a deficiência desde muito cedo. No futuro, estas crianças serão os empregadores, os colegas de trabalho, os amigos, etc. Tudo passa pela capacidade de reconhecermos a realidade e de interiorizarmos o que significa não discriminar.
A sua tomada de posse como Secretária de Estado também demonstra que Portugal começa a ter “mais respeito por si próprio”?
É um começo. É um passo significativo no meio de um percurso. Espero trazer visibilidade à causa e não perco uma oportunidade para o fazer. Estou a fazê-lo por todos.
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