Solicitadores Ilustres: Manuel D'Agro Ferreira
“Somos a bigorna dos desgostos e apenas espelho das alegrias”*
Descrever a vida de Agro Ferreira neste pequeno texto é terrivelmente injusto. Este homem, para além de reconhecido pelos seus familiares, amigos, governantes e pela população em geral, deve ser sempre lembrado como um grande pilar da classe dos Solicitadores.
Agro Ferreira nasceu na freguesia de Beduíno, concelho de Estarreja, no ano de 1879, vindo a falecer em Lisboa, aos 64 anos, em dezembro de 1943.
O seu pai, funcionário público e figura incontornável na região de Aveiro, com ideias liberais, funda o “Jornal de Estarreja”, em 1883, para defender o Partido Progressista. Dono de algumas características muito singulares, cuidava sempre de acrescentar ao apelido dos seus filhos o nome do lugar onde nasceram. Daí o nome de Agro, porque nasceu no lugar do Agro, freguesia de Beduíno.
Agro Ferreira, já em Lisboa, foi autorizado a exercer a profissão de Solicitador encartado, por despacho de 17 de junho de 1915, publicado no Diário do Governo em 22 do mesmo mês e, em 1920, a solicitar perante o Tribunal da Relação de Lisboa.
Teve o seu domicílio profissional – até à sua morte – na Rua dos Douradores ou do Ouro. Para além da sua atividade profissional, fundou a revista de direito “Procural - Revista Forense”, cujo nome é o acrónimo de Procuradoria Geral. Esta revista foi, durante muitos anos, um auxiliar extraordinário, não só para Solicitadores e Advogados, como também para o comércio e para a indústria a nível nacional. A “Procural” patenteava, para além dos temas forenses, a administração de propriedades, bancos e indústria, passando pelas relações com os emigrantes, principalmente os do Brasil.
Para além desta revista jurídica, foi autor e coautor de publicações como “Manual Anotado do Notariado”, “Inquilinato” e “Resenha da Legislação e Jurisprudência”. Publicou, também, o “Regimento Anotado das Câmaras dos Solicitadores”, saído em 1929, da autoria do Solicitador Alfredo Duarte Rodrigues, e organizou, conjuntamente com Bartolomeu Rodrigues e António Augusto Rodrigues, o esboço do primeiro “Estatuto da Câmara dos Solicitadores” de 1928.
Nos princípios dos anos 30 do século passado, a doença de um filho leva-o a procurar os ares do mar da Costa da Caparica. Aí descobre um autêntico paraíso terrestre que poderia ser desenvolvido e até rivalizar com as praias da outra margem, como as do Estoril ou de Cascais. Agro Ferreira acreditava que toda a população deveria ter acesso às mesmas condições balneárias de que gozava a elite lisboeta e, por isso, lança uma série de empreendimentos na margem sul do Tejo. São exemplo disso a construção do Hotel da Praia do Sol (primeiro hotel da península de Setúbal), inaugurado em 1934, e a construção de pequenas casas de um só piso, destinadas à população com menos recursos económicos. Devido ao seu empreendedorismo, é nomeado vereador da Câmara de Almada, fazendo, nesse âmbito, várias conferências sobre o atraso das infraestruturas na margem sul, que contrastavam com o desenvolvimento da margem direita do rio Tejo. Numa conferência em Almada, no ano de 1933, diz: “O porto de Lisboa… meio porto, afinal lhe chamo eu, pois só se tem contado com a margem norte do Tejo, esquecendo que existe a margem sul….”. E acrescentou: “de um lado o primeiro mundo elitista, do outro um amontoado de ferro velho”(1).
Para rentabilizar o investimento efetuado, Agro Ferreira foi pioneiro no uso da publicidade alusiva ao Sol da Caparica, através de artigos nos jornais e da publicação de “A Praia da Costa” e “A Praia do Sol”(2), cartazes alusivos à cura e ao bem-estar que o mar da Caparica proporcionava.
Aproveitando a amizade com o Ministro das Obras Públicas de então, Duarte Pacheco, com quem compartilhava a vontade de desenvolver a região, Agro Ferreira idealizou uma das construções que seriam estruturais para toda a região sul: a avenida Cacilhas-Trafaria, a que chamou Avenida Sul do Tejo. No entanto, esta não chegou a concretizar-se, já que ambos faleceram, bruscamente, no final do ano de 1943.
Agro Ferreira foi um homem que nunca deixou de trabalhar em prol da família, da classe e do bem comum. Numa carta a um amigo, após o lamento da morte de uma filha, dizia: “somos a bigorna dos desgostos e apenas o espelho das alegrias”. : :
NOTAS:
* Carta ao Dr. José de Almeida – Arq. D. da Guarda.
1 – Arq. H.M.B. Almada
2 – Associação Gandaie
Agradecimento: Ao seu neto, Prof. Rui Baião, pelas notas fornecidas.